No seu último trabalho de estúdio, Leandro Roque de Oliveira, o Emicida, fala sobre temas de renascimento, reencontro e reflexão. Em Amarelo (2019), um disco que marca a evolução pessoal do artista além do refino da arte de fazer música, ao mesmo tempo apoteótico e minimalista, Emicida colabora com grandes nomes das artes como Majur e Pablo Vittar (e sampleia Belchior) na faixa-título, Fernanda Montenegro e Larissa Luz em Ismália, o pastor do PSOL em Principia (tudo, tudo-tudo, o que nóis tem: é nóis) e, finalmente, Zeca Pagodinho na emblemática Quem tem um amigo (tem tudo)? Emicida, flertando à época com os 35 anos, se pergunta, afinal, quem tem um amigo hoje em dia?
Um amigo já é muita coisa na vizinhança dos 30 anos de idade, artigo de luxo. O homem nasce, cresce, se muda pra estudar ou trabalhar, paga imposto1 e morre. Ironicamente tomava café com um casal de amigos de passagem pela minha ilha esta semana e uma das reclamações foi justamente a ausência de (mais) amigos. Não porque nunca os tivessem tido ou fossem pessoas terríveis de se conviver, são ótimos, beijo pros dois (kisses for both), mas sim devido ao espalhamento por sobre o globo2 terrestre: os amigos de outrora foram um pra cada canto em busca de, isso mesmo, trabalho (ou rabo-de-saia/barra-de-calça).
Amigos são uma espécie nômade cujas movimentações sazonais são imprevisíveis. Morreu ou tá na record? Casou por visto ou passou em concurso? Amizades, assim como todas as outras relações humanas, andam mais efêmeras. Não somos mais, se é que um dia fomos, apenas estamos, e cada vez menos.

Em 1998 a dupla sertaneja Zezé di Camargo (então com 36 anos) e Luciano (25 anos mas é irmão mais novo, logo, não conta) já mandava a red
A primeira namorada/A professora do jardim/Companheiros de estrada/Não se lembram mais de mim
A amizade abandonada/Só colegas de profissão/A família separada/Meus vizinhos eu nem sei quem são
A indústria fonográfica brasileira como um todo se debruça sobre esse tópico há anos. Milton Nascimento, popular Bituca (lembra dele?), declarou aos 37 anos em “Canção da América”, que ficaria marcada como o hino da amizade: amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito debaixo de sete chaves em cárcere privado […] qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar. A música foi feita para o seu colega de profissão Ricky Fataar, um cara com quem conversou meia-dúzia de vezes nos anos 70 e que depois sumiu no mundo, o prototípico amigo contemporâneo. Como será que está o Benito di Paula depois da morte do Chorão? Sinto informar, Fundo de Quintal (Arlindo Cruz tinha 33 anos em 1991), mas principalmente a força do tempo irá destruir.
Eu tenho amigos. Dá até pra contar nos dedos quantos. E quanto mais obrigado a conviver diariamente (seja por dividir o apartamento alugado, o ambiente de trabalho, a loja maçônica ou a sauna), mais fácil é a manutenção (mas não sem falta, perdão amigo com o qual tenho faltado). A coisa fica mais pesada mesmo é com a distância, o brasil é grande e o mundo então nem se fala. Um foi pra Brasília, outra mora na Philadelphia, uma terceira ainda trocou de curso (faz uns 10 anos). pelo menos nenhum votou no bols-.
Isso é um fenômeno observado especificamente na minha demografia, desocupado introvertido de ~30 anos que se mudou mais que o próprio raul seixas (talvez tenha a ver com a série de tv de maior sucesso e alcance se chamar literalmente amigos e eles se encontrarem todos os dias pra tomar café nos anos 90) e verificado até, pelo menos, os 50, como ilustra essa carta de Clarice Lispector
Não tenho como comentar a respeito da galera 60+ — minha mãe se encontra mensalmente com o Grupo do Chimarrão™ e joga baralho semanalmente com as minhas tias —, ou da galera sub-20 (sub-25? a lacuna geracional é complicada), afinal, talvez eles sejam melhores em cultivar relações do que eu
mas um dia você é jovem, vai em chopada universitária e no outro seu joelho dói porque esfriou.
Enfim, é aquela frase clichê “o verdadeiro one piece são os amigos que fizemos pelo caminho” — que amigos?! Minha estratégia: chamar todo mundo de amigo como se o mundo fosse um grande garçom me ignorando e eu estivesse eternamente em busca de uma cerveja. Assim como o herói daquele filme de drama “Os Incríveis” dizia
[…] e aí, quando todo mundo for
supermeu amigo… ninguém vai ser mais.
você já desejou um feliz dia do amigo hoje? estatisticamente falando, deve ser dia do amigo, afinal
tecnicamente só se “deve” algo quando se é cobrado, bom esclarecer.
isso mesmo, a terra não é plana, falei e pronto. e aí? vai fazer o quê? achatar ela?
Fui num aniversário último fds, a pessoa tinha mais de 10 amigos
minha melhor amiga vai se mudar e eu vou me matar na sua frente